22.12.08

EsperAção


Se fosse tirar férias, escreveria bilhete, nota, carta, aviso de despedida, que não me ausento sem adeus, tchau, ’té mais. Não é o caso. Nada de férias, veraneio. Como não os verão - férias e veraneio - trocentos e vinte e sete zilhões de brasileiros, algo mais, algo menos, trabalhando janeiro sol e chuva. E nem verão país melhor, país nenhum, nenhum verão, tão logo, talvez mais tarde, com as recusas a velar a esperança; negação terminante a fazê-lo.
Ano de 2009: dois mais nove, nove fora, dois. Reza o tarot: o arcano da Sacerdotisa, o príncipio feminino, receptividade, mistério, intuição. Ainda, a dualidade, claro. Por outra, dois mais nove, nove dentro, onze: o arcano da Força, o domínio sobre o leão, a claridade solar.
Portanto, ou por nada a ver, doladodecá tudo será talvez. Que talvez eu parta, talvez fique, talvez mude de endereço, talvez fique, talvez passe, talvez fique. E talvez nem case nem compre uma bicicleta. De certo mesmo, nadinha além da tal i-n-d-e-f-i-n-i-ç-ã-o, incômoda como bem sabe sempre ser. Ao fim e ao cabo, tudo se iluminará, diz A Força. Caso não, o que não tiver remédio, remediado estará – costume de dizer de dona Nica, grande pessoa (cacófato à parte) – e o jeito vai ser esperar com Capinam. Ou ir capinando, arando, semeando, regando, preparando a colheita. Plantando o jardim, com o Cândido de Voltaire.
Em razão de mais trabalho agora, pois, digo 'té ano que vem. E Feliz Natal e Feliz Ano Novo e Feliz Vida!

De presente de fim de ano:

Janeiro Ainda

Te esperei vinte e quatro horas ou mais
de cada dia que eu vivi
Te esperei mais de sete dias por semana
sem um só dia te trair
Te esperei mais de nove meses sem poder parir
Mais de doze meses cada ano,
e te esperava
até um novo século surgir
Te esperei na mesa, te esperei na cama,
Olhando as estrelas te esperei na lama.
Te esperei bebendo,
te esperei calado,
embriagado
e gritando por aí
Te esperei com fome, te esperei sem nome,
Uma vez chorando e outra sem sorrir.
Num barraco
numa esquina,
te esperei pelo mundo,
te esperei sempre assim
num buraco sem fundo
por dentro de mim
Mata derrubada,
Maré poluída,
nas encruzilhadas,
pelas avenidas
Te esperei no sangue, te esperei no mangue,
água derramada,
vida proibida,
hóstia consagrada, pena colorida.
Te esperei de gravata, de luva e sapato
Com todo recato, nua e mal vestida.
Te esperei toda a morte,
te esperei toda a vida
no regato, no esgoto,
Te esperei no mato,
no eclipse lunar, no luar neon,
Na escura solitária, no clarão das luminárias,
No ponto de encontro entre a bela e o monstro,
No raso da Catarina, na profunda dos infernos
Te esperei nos azes, te esperei nos ternos
Te esperei na tua, te esperei na minha
Te esperei sozinho, te esperei sozinha,
Te esperei Clarice, te esperei Virgínia
Te esperei tantos marços e mais fevereiros
Esperei por inteiro e espero ainda
Nesse novo janeiro
Te dar boas vindas.


(José Carlos Capinam)

"Il faut cultiver notre jardin"

(Candide ou L'optimisme - Voltaire)

3 comentários:

gerson assis disse...

Belo texto amore mio. Sinto muito a tua falta. Sempre. Todos o dias, todas as horas. E você ao alcance de um telefonema :(

MgP disse...

Obrigada, meu mui querido. Tempo é um treco estranho, mas carrego você comigo. Sempre. Mesmo quando ausente. Bjão!!! :)

costa Junior disse...

você é a minha poetisa preferida, amiga da minha vida!