21.11.09

Passageiros




Em seus olhos sorridentes, miúdos, meninos, a clara manhã.
A cachoeira cristalizada, queda d’água adiada a jamais.

Chão retirado de sob os pés, fardos de sobre os ombros jogados à terra.

Quase levitar, nenhuma dor, notas no piano.

O encontro e a pele encrespada, pelos eriçados, arrepios. Voz suave, ciciar de lençóis em dedos entrelaçados. Desejo e o corpo ardendo, o estreitamento, um em uma, um a um.

O riso no portão, até breve, o giro do mundo suspenso. Mais ninguém, mais nada.

Espera. Silêncio. Ausência.

Sem adeuses. Sem promessas. Sem reencontro. Sem então.

O tempo sem fim e a seca murchando pétalas e sonhos. E contos.

Não saímos à noite a catar estrelas,
que nem chegamos a existir.


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17.11.09

Férias




Não era mais noite e o despertador não tocou e a manhã já tinha se esvaído em sono em nada em vão quando o cancão chamou de cima das ramadas altas e nunca antes na história desse lugar tinha vindo um cancão em visita, presságio, passagem, chafurdando a placidez do tempo, anunciando avalanches.
Aí acendi a luz e limpei a pia e fiz o café e morri de preguiça e de sono e de tédio das noites bourbon 33, carbono 14, e de ansiedade pelas quase férias, pela malemolência permitida concedida consentida, o cheiro de maresia futura chamando pra logo, pra ontem, pra já.
Foi quando me dei conta da urgência das malas bagagens escolhas e de não saber quem ou o que levar junto.
Nem motorista nem amigos nem mala com-sem alça nem lembranças nem memórias nem mágoas nem desatinos.
Uns livros e uns papéis e um computador e um transporte e uns lápis, de cor, cinzentos e uns projetos e uns desejos e umas idéias - esses sim.
Na encruzilhada, nem dúvida nem despacho. Espera, lamento, hesitação nenhuma.

Nem sei ainda pr'aonde ir nem me preocupo, que a estrada diz, que o nariz aponta, que o gato zombeteiro não me confunde mais.
E nem quero atender telefone, escrever carta, e-mail, sms, cartão, telegrafar, dar sinal, de vida, de fumaça, sonoro.
Daí que me levo, me vou, me fico, me volto depois, um dia, uma hora dessas qualquer, qualquer hora, hora boa, fim de tarde, manhã cedinho.
O cancão já se foi, graúdo, barulhento, esquisito, bonito inda assim e o café cheira no fogo e o corpo acorda e a bagagem pronta acena aponta e vou indo, vou indo, vou indo.
Agora, indo.
Na volta, bem.
Muito bem, obrigada.

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2.11.09

Depois do banho




A última tentativa depois do banho de imersão.
No barril de madeira, loção e óleos. Sal grosso e aromático. Contra olho gordo, magro, em forma.
Dali ao mar, uns passos. E a nuvem passando sem querer virar água. Sem lava-pés, lava-jato, lava alma.
Um barco partindo. Um barco chegando. Ondas indo, vindo, o ensinamento de Netuno. De Iemanjá. Ondas e silêncios.
Depois do banho de imersão, não mais palavras. Não mais discurso. Não mais intenções. Nem más. Nem boas.
Camino nuevo - duas mãos, duas vias.
Feito de silêncios. Segredos. Mistérios.

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"o desastre tirou o trem dos trilhos
e o brilho frio das estrelas
ilumina o metal dos risos
"
(última mentira - Capinam)