21.11.10

O pau-d'arco





Aparei com uma lata a água da chuva e despejei no saquinho de terra com a muda de pau-d'arco. Água da chuva dos cajus. O gato brigando quebrou o arco, perto da raiz. Enterrei de novo, a ver se tem jeito. É que em frente de casa vai ter uma árvore dessas. Para florir em setembro.

Pau-d'arco é aqui. N'outros cantos dizem ipê. Esse é rosa. Ou foi - não descobri se ainda vive.

Ontem não consegui ver o filme até o fim. Achei enfadonho. Estava com sono. Era outra língua, não tinha legenda.

Minha vizinha acaba de sair, short curto, salto alto. Temi que se desequilibrasse e caísse por cima da outra muda, a de araçá. Que teimo que é pitanga. Temi pelos dois, posso até jurar.

Riu de mim, o rapaz, quando chamei de planta o projeto da casa. Não liguei. Estava feliz. Faz dias, assim, feliz.

Triste é ser roubado. Quando se tem apego ao que se vai, pior. Eu fui. O ladrão deu com os burros n'água. Saíram molhados, os burros. Mergulhei e catei tudo de volta. Depois foi só enxugar.

Lembrei que Antônio me prometeu 500 pés-de-algo. E que o jasmineiro, quando crescer, vai ser de verde-viço.

Velouté vai se mudar. Ele, a mulher, o filho e mais três enteados. Seis felinos.
O senhorio disse ter uma tia assim, que vive com uma porção de gatos. Não faz mal. Posso acrescentar cachorro, passarinho (solto), um crocodilo, talvez. Pra ser original.

O que me intriga mesmo é o Pau-d'arco. Não sei se morreu ou florirá.

A morte, às vezes, só se faz notar depois. Muito depois.

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5.11.10

Arcano XVIII




As ruas da cidade estando perigosas à noite, fechou janelas e portas - trancas, travas, cadeados - o fosso ao redor;

o retrato do viejo brujo na parede, unhas pontiagudas, dedos magros, indicador apontando a direção do inferno, olhos injetados, nariz adunco, o retrato do velho bruxo.

Acendeu a lenha para o fogão clamando labaredas, crepitar quebrando o silêncio, uns cães uivando à lua minguante de lá de fora;

o medo abafado sob o xale, a proteção da gaiola de ferro, o prisioneiro encerrado em grades, muros, os que ergueu em torno de si;

amarelas, as páginas do livro de feitiços sob a luz da lamparina.
E um lugar seguro.
Um lugar seguro.

Os olhos da salamandra, o rabo da salamandra e a noite. A noite, tão perigosa.

Além da porta, o imprevisível, oculto, desconhecido. Além da porta, um coração.

O dentro metia medo.

O calabouço.

Fora, aterradoras - mais que as ruas da cidade, a noite -, as ruas-artérias do coração.


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"Mexo e remexo e me perco e adormeço nas ruínas da cidade submersa
sonhando um mar que não conheço
como não conheço as ondas do meu coração"

(Cidade Submersa, Paulinho da Viola)