20.7.09
Enxadristas
Não, não é – repetiu.
- Não duvide! É todo o percurso dizendo que sim, a consultoria concordando, o cv, dossier, pqp, reforçando, mas eu lhe digo que não é. E digo mais: as aparências amarram os fios soltos do seu pensamento na contramão, invariavelmente. Se você as levanta, revolve, olha por debaixo delas, vai ver tudo com outro formato.
- Não duvide – repetiu, fio de voz, olhos baixos, apenas um pedido.
Mas duvidou, como sempre duvidava. A vida inteira duvidando, o tempo todo querendo entender de verdade, uma trajetória todinha em função de porquês. Coisa cansativa essa mania de querer entender tudo. Cansativo pra quem tem, pros arredores também.
Duvidou do bem, do empenho, da promessa, por ser da sua natureza duvidar; por ter um outro lado da moeda proporcional, que lhe fazia acreditar demais também. Duvidava muito, acreditava muito.
Continuou duvidando, continuou querendo acreditar.
Duvidou das palavras, que o mal é o que sai da boca do homem, que nem ouviu na musiqueta dos idos dos oitentinha, antes de saber que a frase era bíblica, que não teve educação religiosa, na escola pública. Em casa, pouco, pouco, e ainda não tinha, à época, se debruçado sobre o livro roxo.
Duvidou da boca que tantas vezes não calava o que não precisava ser dito.
E acreditou na mesma boca que percorria entradas fincando bandeiras, semeando fogos de artifício.
E acreditou nos entrelaçares da falta e do desejo.
É certo que queria, ainda, exaustivamente, compreender cada processo, gesto, ato, palavra, escolha, caminho, ausência, presença, desaparecimento, comparecimento.
Mas o tempo, o tempo era pouco, curto, veloz, e tanto, tanto a fazer, de tantas outras ordens e áreas!
Pensou sobre tudo, pesou e optou por intensificar o treinamento.
No dia seguinte, cedinho, sem falta, compraria um tabuleiro de xadrez.
E as peças, claro.
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Água mole em pedra dura
Mais vale que dois voando
Se eu nascesse assim ... pra lua
Não estaria trabalhando
(Guilherme Arantes, Aprendendo a jogar)
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2 comentários:
M, preciso te dizer: seus escritos deveriam ser objetos tácteis, cheios de folhas, mas não necessariamente árvores, se é que você me entende...
Um cheiro, S.
he,
acho que entendo, sim.
mas só me arriscava se um dia, quando crescesse, eu virasse poeta que nem tu... ;)
um cherão e obrigada, bem muito!
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