14.7.09
Habilidade
Usei a habilidade dos dedos para não prendê-los na armadilha montada para o rato, e ele nem olha para ela - espalha migalhas de biscoito champagne marca-própria no chão da cozinha, ignora o parmesão de 60 contos o quilo na ratoeira, apura os bigodões e focinho farejando o passado dos passos do gato retirante que partiu para sempre fugindo da prolongada seca do pires, me olha de soslaio - e eu, não encontrando a vassoura pra enxotá-lo, dou de ombros e me levanto e trago a vasilha e recolho o ranço do cajueiro bichado e as lágrimas do salgueiro-chorão pisando desavisada no rabo do preá que mora debaixo dele e me xinga de tudo que é nome feio, impropério, palavrões de cabeleiras inimagináveis e vai embora montado no cavalo-do-cão já encilhado e a postos pra viagem sem volta me fazendo perguntar que fenômeno fez sumirem todos os moradores do lugar, abandonando dom ratão à própria sorte e aos meus humores. Raspo o tronco do juazeiro, falta dentrifício na sala de banho e os sorrisos devem ser sempre luzidios, recomenda o ministério da saúde, disperso a nuvem de poeira que embota a mente do senhorio e o supõe super, por isso berra, agoniado, o coitado, safenado, corneado, desiludido e se não bastasse, militar reformado, e penso que vai enfartar de novo, que desconheço o número pra chamar a Samu, mas só quer ordem e disciplina na caserna e se cala e se aquieta e um dia ainda me mudo, juro, pro meio do mato, sem ladrão, sem vizinho ou senhorio, mas não agora, que ainda preciso de megapixels e lá não tem, então tiro as sandálias e piso o cascalho e ativo pontos energéticos nas solas dos pés, que é preciso energia, que o dia amanhece, que o pão integral cheira no forno e dom continua à espreita ignorando a isca, e não quero mesmo machucá-lo, então fico feliz, mas começa a faltar fermento biológico, que não uso o químico, e falta arame para a cerca e a cancela e não quero mais desalambrar que la tierra no es nuestra y tuya y de aquel nem o barbudo fez a reforma agrária, e o rádio já toca que o milho ondeia pra ser colhido e a pitangueira já deu flor e ainda há cestos a trançar e falta o cipó, por isso deixo a casa e vou ao mercado, que não quero mais tédio, nem ranço, nem caju, nada além do que falta, e ainda um baralho para a paciência.
Que o mais resolve a habilidade dos dedos.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
adorei seus textos
muito obrigada. volte sempre.
Se precisar da macacada pra abanar o fogo, às ordens!
Bjs.
e a feijoada? kkkkkkkkkkkkkk
bjs.
Postar um comentário