27.7.09

Desfechos

"...Je ne veux pas travailler..."

Foi quando saiu do cinema sem o menor interesse na cena seguinte, enredinho de quinta parecendo a vida em volta.
Foi quando decidiu telefonar, os números dançando entre a indecisão e o astigmatismo, pra dizer o que em dois anos não tinha conseguido: - Quero viver com você. No fim do mundo, até.
Tinha esperado dois anos, ela, para ouvir isso. Naquele momento, já não fazia a menor diferença. Respondeu: - Não quero mais. Desisti de você. Desisti de nós.

Ficou como que suspenso no ar por um instante, ele. Decidiu ir até lá, como se outra esquina fora. Pegou o avião, horas sobre o oceano, pegou o táxi, caminho interminável do aeroporto ao apartamento, bateu à porta, olhou-a nos olhos e ouviu tudo de novo. Em cores. De viva voz. De corpo presente. À queima-roupa. Cada palavra, um punhal. Ou um tiro.

Não havia o que fazer. De longe ou de perto, o mesmo resumo: não o esperava mais. Não o queria mais. Não lhe interessava mais.
Quis morrer, enlouquecer, desesperar-se, ele. Pediu uns dias. Recebeu. Depois só lhe restou aceitar. E partir.

Certamente não sabia do desfecho, que de desfechos nunca se sabe além da presunção, desconfiança, suspeita. E se soubesse, não teria feito diferente.
Agora, no 52º andar, a oportunidade ímpar, pois que lá não voltaria, para testar a eficácia das asas recém-adquiridas no mercado de pulgas.
Pediu no bar da torre um gim-tônica, uma dose de perfume, um narguilé. Abastecido, fitou a janela, declinou do convite, guardou a indumentária e voltou pra casa.
No corredor, despiu o casaco, sacudindo o resto do frio no assoalho.
Foi quando ligou novamente para ela, perguntando num fôlego só: - Posso então ser o seu melhor amigo?

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"São muitos os dramas,
desastres são poucos
".
(Última cena - Miltinho/Paulo C. Pinheiro)

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