5.4.09

O TGV

- Quer um TGV?
Foi ele quem perguntou, óculos rayban, lentes espelhadas, lenço amarrado na cabeça à la ‘que é que a baiana tem?’.
Parecia um desenho. Parecia saído de um filme infantil, de uma história em quadrinhos, esqualidus, ismilingüido, professor Girassol.

Não seria má idéia - pensei. Deixar a plataforma, embarcar no Trem de Grande Velocidade, paisagem difusa voando na janela, 200, 250, 300 km por hora, veloz e furiosa, veloz e apaziguada, veloz e distante, veloz e ausente, veloz. Pela módica quantia de 25 pilas, preço para estudante, cruzar tantas cidades sem vê-las. Sabê-las lá. Fora do trem, dos vidros das janelas, da ordem de visitação, fora. De mim. Do interior à capital. Em alguns piscares de luzes e olhos.

- Quer um TGV? - repetiu.
Pensei: - pra que tanta pressa, doutor?
Responderia, talvez: - quem é coxo parte cedo, ‘dona’.
Ou ‘tia’. Ou ‘madame’. Ou ‘senhorita’. Ou ‘moça’. Ia depender dos filtros ativos nas lentes espelhadas. Da boa vontade. Da hora da festa. Do humor. Da clientela presente no local. Do quadro comparativo. Dependeria.
Que cada filtro depende do momento.
Como nas relações.

(Houve um homem com quem dormia.
Certa vez afirmou: - ajoelho-me aos pés da minha rainha.
Houve um homem com quem dormia.
Certa vez me confessou: - eles têm medo da sua cara feia.
Eram dois momentos.
Era o mesmo homem - riacho e dialética à parte.)

Eu devia uma resposta ao rapaz de lenço, voltando ao TGV.
A pergunta, por sua vez, era também uma resposta. A uma provocação.
Disse: - sim, quero. Obrigada.
Por querer.

Também ele era veloz. De tanto lidar com TGVs.
Era o garçom do bar, a quem perguntara, eu: - nada aqui que embriague?

O TGV, uma bomba: tequila, gim, vodka. Num copo só. Demorei, no entanto, a responder.
Ele, desconsolado, se desculpando, quase, por trás das lentes: - a tequila acabou.
- Tem absinto?
- Absinto muito. Também não.

Gosto do balcão, ninguém aporrinha. E sempre dá pra beber algo misturando umas gotas de elixir de invisibilidade. O meu algo tinha dentro folhas de hortelã. E a título de consolação - na falta do T - o G e o V.

Sumiram num trago, GV, balcão, garçom.
E porque perdi a hora, o trem, a viagem, quedei-me na plataforma mesmo, silente, rodopiante. Paradoxalmente, efusiva, taciturna. Invisível.

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Pegar o trem para o passado. E voltar bem mais feliz...
(De Chicago a São Luís – Moisés de Lima/Graco Medeiros)

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