15.11.08

A noite em que perdi a cabeça



A hidra de Lerna, pra quem tantas cabeças não bastam, devorou a minha.
Eu fiquei assim: muda, cega, surda, desmiolada. E sem dor.
Acordei no meio da noite. Nem era meio, mas começo de outro dia, uma da manhã, pouco mais, pouco menos, uma imagem biliar ainda na memória do fígado, na falta do hipocampo. Comprimidos revestidos, alcachofra composta e - repito - nenhuma dor.
Um pesadelo. Um corpo ferido. Sangue. Uma mulher. Brilho. Prata. Agonia. Sobrevôos na cidade. Noite. Escuridão. Medo. Medo. Medo.
Agora já passou. Luz na sala. Tela. Olhos vermelhos sobre o peito, colados pouco acima e em cima do coração ancião. Mula. Sem cabeça.
Apelei a Héracles, com sinais de fumaça. Herói, semideus, flechas envenenadas, operário antes da CLT, doze trabalhos como doze são os meses do ano (e eu de novo com a mania de números e associações sem fundamento científico ou argumento válido).
Veio ele e matou a hidra. Nem apareceu uma maior, nem me renasceu a cabeça.
Assim é melhor. Já posso seguir por aí, cega, surda, muda, dormente. Chamará um pouco de atenção aquele corpo que é o meu, andando a esmo, com olhares de estranhamento por sobre si. Imagino, não verei. Logo, a idéia, chegada agorinha do baixo ventre, não me incomoda. Curiosos se perguntarão o porquê. Não me importarei muito, já disse, pois que não sinto dor.
Mais difícil e demorado será amanhecer sem bocejar ou coçar os olhos.

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