31.10.08

1) Mosto. 2) Fermentação.




E ele não a conhece, não sabe do que é capaz: uma alma boa, tão boa, tão má. Deixou cair no vazio as perguntas que ele porventura faria, foi evaporando na medida certa da aproximação do calorão de janeiro que ainda transformaria em fantasma a cidade de plebeus que eram, todos. E falou pelos cotovelos, joelhos e narinas, enquanto respirava o que cala e asfixia.

Não era pra ser assim, não era pra ser assim.

Começo de novo:
_ Era uma vez um reino (Foi. Não foi. Um quase reino, digamos)...

E o aspirante ao trono ficou nu frente à turba atônita. E a rainha lançou-se em seu socorro, envolveu-o com seu manto, véus e cabelos, retirou-o do alcance dos olhares devoradores das feras dos súditos.
Mas não conseguiu calar o que lhe roía por dentro, bem que tendo tentado. Gritava, partia de si quando não queria nunca nada revelar, e ouvidos sedentos do alheio tragavam seus segredos, e ela, de natureza contida, reservada, pareceu inconfidente aos olhos que não a reconheciam.
Quebrou-se a maldição. Quebrou-se o encanto.
Mandou bordar em letras de ouro, na faixa sobre o manto real: “quem não sabe o que procura não reconhece quando encontra”. Sabia. Não sabia.
Se partisse, o pensamento a seguiria até os confins da terra, no mergulho, no vulcão extinto em Reykjavik, na Terra do Fogo, em Gandermélia e Lilliput, em Plutão, em lugar nenhum, ele iria, é certo que sim.
Quedou-se dilacerada; silenciosa; vazia; vingativa: Lilith. Não foram felizes para sempre. Nunca teriam sido.
Rei morto, rei posto. O rei morreu, viva o rei! Viva a rainha triste! Cortem a cabeça da rainha!
E eis a rainha, ressurrecta. Que viveu feliz para sempre.

E ele não a conhece nem sabe de toda a crueza das horas geladas no meio do calor dos diabos que invade o cubículo onde se esconde da vastidão de espaços para que nele caiba menos solidão. Cu-bí-cu-lo. Catedral. Na vitrola os versinhos musicados, bem baratinhos, do cantor pop de quem gosta, que ele desdenha, como desdenha outras cançonetas emepêbê, o mundinho dos assalariados, sonhos de amores felizes, o manifesto do Partido, a canção, francesa: “il n’y a pas d’amour heureux” (não existe amor feliz). É contraditório, ele também, com o seu desdém e impressões sobre os outros, tão menores, tão limitados, tão pouco espelho-imagem, reflexo seu(dele)...

Mas na verdade não se importa, nem liga, não faz a menor diferença, pois já tantas vezes o matou, carpiu, enterrou, rezou.

O tempo, veio o tempo. Apesar do tempo consumido nas incontáveis vezes em que o esqueceu, havia descoberto, renitente, ser ainda capaz de amar. Sim, - pasme! - ainda capaz de amar.

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