24.11.08

o meio do mundo




Caí no meio do mundo.
Um precipício sem amortecimento, bombeiros, cama elástica.
Barulhento, o meio do mundo. Gralhas, araras, pardais, corvos, gaviões, a fauna de penas em gritaria incessante, desabalada em vôo vertiginoso. Urubus silenciosos planando.
Caí e corri para a orla do mundo.
Deixando o piche da cidade - poeira marrom na estrada de saída - vacas, galinhas, touros, raposas e cobras atravancando a passagem. Impassível indiferença ziguezagueando entre os uns e os outros.
Narinas acesas pra o perigo e para o mato queimado.
É onde agora estou, na orla. Solos de sopro, grão a grão, me arrebatam sentidos e ouvidos mas continuo atenta. Apenada cumprindo sentença e rotina. Arrasto correntes à noite, abro portas que rangem à minha passagem, tateio as paredes, ásperas, na casa de reboco, na casa de ferreiro sem espetos perfurantes, sem bigornas, sem maçarico.
Entidades de rua me visitam em sonho. Acordo arrepiada, de pavor. E rezo, acendo luzes e velas. Cerco-me dos antepassados, invoco-os, peço por eles, a eles agradeço.
Chegaram eles todos também há pouco do meio mundo, onde bons e maus estão: bons que são maus, maus que são bons. De onde brota o princípio único, o Tao, circundando opostos, complementares.
Da orla do mundo ao meio, outro, caminho de grama, de pedras, pirilampos ladeando arbustos: pequenas lanternas intermitentes, ora enchendo de claridade as sombras.

Caí no meio do mundo. Depois parti, avisem a quem quiser saber. Caí até quando. Por ora não volto mais.

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