26.8.10

Solidões

Ramos, palha, gravetos, nada restou do ninho. A ave não tinha para onde voltar. Muitas não tem mais para onde voltar.
Silêncio, escuro, sala, noite, solidão, e se sentia assim. Ave que quer voltar ao ninho. Mas ninho não há mais. Drumondianas - na lembrança.
De repente - não muito - enjôo de samba, refeição primeira em tempos recentes.
Sem querer samba e sem haver ninho, urgia acender a luz. Pra ver direito se usaria ou não maquiagem, sombra, rímel, lápis, delineador, batom, pó compacto, pra descobrir como se mostrava, a solidão.
Não a coisa boa do estar só, do querer estar só, mas um bicho mínimo roendo a alma até o buraco nela ficar do tamanho do oco do mundo.
Aquele bicho, do tamanho que fosse, carecia de se ver à luz.

Quando você toma coragem e tira o rosto de por sob o lençol, malgrado a assombração ali do lado, e olha pra ela, como perde força a assombração!

Pois assim foi. Uma puxada de lençol, uma luz se acendendo e um olhar decidido:
o diabo nunca foi, de fato, tão feio quanto se diz. Nem ela.

Tinha uma manivela plantada no meio das costas e a deixava girar.

E aí a manivela girou. E o tempo voltou. E as prateleiras coloridas. E o periquito empalhado. E o batente do balcão de azulejos.
E os vidros das janelas, o abacateiro, o prego o sangue a sandália furada da queda da cirigueleira, e e e e e ...

E era noite e frio e escuro e solidão.

E de repente, umas dores e umas mágoas e um tédio e um cansaço de viver não estavam mais.

E de repente, foram caindo no oco, tamanho do oco do mundo, telas, muitas, notas musicais, cheiros de jasmim, sabores, mel e rapadura.

E o oco foi ficando cheio.

E o bicho não era tão feio - amores vãos, dores ancestrais.

E aquele cheio - drumondianas - já ninguém lhe tirava mais.

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Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?


E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


(José; Ausência - Carlos D. de Andrade)

2 comentários:

Mme. S. disse...

Êeeeeeeeeeee! Ela voltou! Tava com saudades dos seus textos, menina!

MgP disse...

rs... obrigada, flor.
como no samba: "é devagar, miudinho... devagarinho".

bjos