12.10.09

homens e lagartos



I - A inquilina

Tenho um sofá. Na varanda. Vermelho, verde e laranja.
Uma lagartixa jurássica mora nele.
Parece um lagarto. Um dragão de Komodo miniatura.
Move uma ação de usucapião. Não contesto. Ela ganha o sofá. Ficam os dois a me fazer companhia. Rio do seu ciúme quando sento nas almofadas e espicha a cabeça com jeito de “como ousa?”. Inútil mostrar a nota fiscal. É dela e ponto.

II - Os comuns

Sirenes no meio da noite, madrugada, vozes do lado de lá. Bigornas vesperais, noturnas, estridentes, de ira, deboche, despeito. Ferros retorcidos, batalhas perdidas. Ouço surpresa. Atônita. Querendo ignorar quando insistem.
Os maus são capazes de muito. De quanto são capazes todas as pessoas?

III - Os bons

Ela me abriu a porta de sua sala quente e eu sentia frio.
Não me conhecia. Deu-me de comer e de beber. Pão e vinho. Cobertores. Leito. Calor. Abrigo.

Ele era clandestino. Eu não. Ele trabalhava. Eu não.
Sem dinheiro e sem amigos. Deu-me um trabalho. Clandestino. Nada grave. Pratos. Bandejas. Pessoas. Indo e vindo, braços doídos, cinco da tarde às três da manhã, atropelando palavras, derramando copos em capotões, trocando pratos por guardanapos, sal por pimenta.
Em terra estranha.


O rabo se perde. E renasce.

Os ódios não vingam. E se vão sem deixar rastros.

A lembrança da partilha permanece. Amizade. Amor.

Onde a fronteira, a linha, a divisa, tênue, entre bem e mal em cada um?
Que são um e outro?

Às vezes sinto saudades dos 80.

Às vezes, descrença.

Às vezes, esperança.

Enquanto discordamos encontro seu nome entre os terceiros.

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"Você verá que é mesmo assim, que a história não tem fim
Continua sempre que você responde sim à sua imaginação
A arte de sorrir cada vez que o mundo diz não
"
(Brincar de Viver - Guilherme Arantes)

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