26.5.10

Visita

Não havia muito o que fazer por ela, que corria a casa enlouquecida, cavando prateleiras, invadindo armários, puxando portas.

Tinha fome, todas as fomes, de líquido, de sólidos, de fluidos. Fome no estômago, fome no sexo.
Subia pelas paredes, literalmente, colando no vidro da janela o focinho. E ninguém, fora a senhora compadecida, reparava na aflição em seus grandes olhos de folha de grama.
Por ela, aplacou a agonia do estômago.

Isso ontem.

Desapareceu entre os arbustos.
Ixóreas despetaladas, grilos silentes, flores no chão, bichos-de-pé, teto pontilhado de luzes distantes.

Hoje voltou com a manhã.

Atrás, um séquito:
- um loiro, um negro, um mourisco.

Um alarido infeliz, protestos bocejantes, amuados, dos recém-despertos moradores. Indiferentes, os pretendentes.

Pensei que ficaria. Ofereci comida. Cama. Abrigo.
Foi-se como veio. Como um raio.
São assim, os gatos. São da noite. Das ruas. Dos telhados.
Cedo ou tarde o apelo da caça ou do sexo os leva embora.
Bom não ter havido o tempo para a afeição sair da semente.
Que é uma coisa estranha, mesmo, o amor.

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"Os olhos da cobra verde
Hoje foi que arreparei
Se arreparasse há mais tempo
Não amava quem amei
"

2 comentários:

Mme. S. disse...

"O amor é uma coisa estranha", quando vi essa sua frase senti a respiração suspensa...

Os gatos são seres estranhos também, querida. (Por isso o amor por eles)

beijos, bom sempre vir aqui.

MgP disse...

Às vezes, viver é muito estranho.
E nós também...
rs
beijo, Sheylinha.
Obrigada pela presença. E pela sugestão do nome.
Adotei.

;)