14.5.09

O Palácio do Dragão




Volto ao palácio do dragão, palco do nosso banquete primeiro. Estávamos então famintos, embora saciados. Éramos ainda estranhos um para o outro ou quase, nada além de uma nova ilusão, cães matinais, apenas um rapaz ciumento, divina dama. Ainda das árvores aos postes, as bandeirinhas, papel de seda, origami de formas várias; Maria dos Santos sem saber se hoje é noite de São João me olha com olhos redondos negros saltados e nada responde - olhar de interrogatório, de interrogação.
Ouço a voz dos dois: Rispidus, Docilis. São dois cães gêmeos, da mesma ninhada, às vezes se fundem em um e assim me confundem sempre mais, surpreendentes sempre que penso ser impossível que me confundam depois que me saltaram sobre os ombros quase me dilacerando a garganta, enfiando suas garras abaixo, rasgando o peito, raspando o coração - filete, fino fio de sangue, vertente mal cicatrizada - até se mostrarem enfim confiantes, finalmente amistosos, afetuosos até.
Impossível não sentir o cheiro da grama cortada da terra revolvida na primeira chuva, embora não chova agora nem chovesse naquele fim de manhã em que me enlaçou, estreitou-me, segredou-me em sussurros seu medo, a dor, a morte, a estupefação, o dia em que se sentiu absolutamente só e dispensável ao mundo e à vida.
Discutimos os novos rumos da política do café com leite, o sexo do band leader dos rolling stones, meu total desconhecimento da língua inglesa, da arte gótica, da física quântica, de sustenidos e bemóis. Sua ignorância completa do movimento das marés, dos signos astrológicos, do segundo círculo do poder, da conjugação do verbo être.
No saguão do palácio do dragão, tudo isso em menos de meia hora, até a despedida final, até logo, nunca mais nos vemos, deixa assim, quero sim, quero não, bandeirolas ao vento, dança do papel nacarado, vermelho-sangue, fúcsia, salmão.
Até o dia dois, o dia três, o dia quatro, os toques ininterruptos do telefone, acordes dissonantes, coro de sapos, dois perdidos numa noite longa, abat-jour lilás, bachianas brasileiras, tremendão, inferno astral, orgasmos múltiplos e o tempo infinito de um minuto em frente ao palácio do dragão.

2 comentários:

costa Junior disse...

Eu fico admirado com sua facilidade de escrever. Fascinado com sua criatividade nos textos postados. Deslumbrado com cada história contada. Sou fã desta moça. Ela é minha escritora favorita.

MgP disse...

Costinha, meu bom amigo. Obrigada pela sua generosidade de sempre :)