20.3.11

Nostalgie



E eu saio de casa e ando pela rua com medo da velocidade dos carros do trânsito da pressa do fim do mundo da radiação da solidão do passado do futuro.

E eu saio de casa pensando nos sonhos que um dia larguei porque não podia porque não tinha tempo porque não tinham mais razão de ser porque eu precisava cuidar de outras pessoas com outros sonhos e outras vidas.

E eu saio de casa pensando que tive que adiar sonhos que hoje não cabem mais na vida que levo, não cabem mais em mim.

Não redigi o tratado, não viajei de navio, não li aqueles livros todos da estante, não fiz um curso de inglês, nem sei se um dia terei tempo para, e se e quando tiver retomarei o que ficou pra trás, se inventarei algo para a frente ou se será tarde, muito tarde, e estarei cansada, ou desanimada, ou desinteressada, caso viva esteja.

E eu saio de casa achando a cidade assustadora e feia, a cidade feroz e veloz, asfaltada demais, quente demais, mudada demais e não encontro nela os quintais da infância, pelas calçadas os pitbulls aterradores puxados por seus pitdonos ainda mais aterradores, gentes apressadas, prostitutas na rua dos fundos do supermercado às 17 badaladas do dia, buzinas, refletores, janelas vãs.

E eu saio de casa e sinto uma imensa desesperança porque uma infinda saudade de tudo o que foi, de todos os que foram, do que ficou.

Do que fui, do que sonhei.

E mesmo da casa, de onde saio eu.

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Foto de Manu Neto: Natal

2 comentários:

Mme. S. disse...

Adiar sonhos que não cabem mais dentro de si é um troço triste pra caramba, mas poética "djimais"!

Fiquei assim, de bobeira, lendo você agora porque senti uma correspondência muito grande, minha querida.

Um cheiro e obrigada por escrever tão bem e partilhar isso com seus leitores. S.

MgP disse...

Obrigada você, flor, pelos comentários-carinhos n'alma.
E já não se fica mais triste.
:)
bjos,

m.