23.12.09

A estrada



Era essa a estrada, era sim. Passei por ela há anos, bem me lembro. Mas havia um ingazeiro de galhos debruçados sobre o rio.

O rio, era esse, sim. Mas havia água em seu leito.

Eram essas as pedras, não se moveram, até onde a vista e a memória ainda podem afirmar. Mais claras? Mais escuras?

Eu passava por aqui, e descansava à sombra da tarde vermelha. E sonhava nuvens e contava pássaros, e catava seixos, e olhava passarem as cabras e cabritinhos e bodes e todo o rebanho - os rebanhos.

Era essa a estrada, hoje vazia, sem o ingazeiro, seco o leito do rio.
Era essa a estrada que sorria, antes.
Era essa a estrada, agora árida, agora deserta, agora parecendo sem fim.

Foi essa a estrada que deixei.

É a ela que hoje volto, sementes nos bolsos, dança da chuva nos pés.
É nela que descubro, tanto tempo depois, novos atalhos, veredas, encruzilhadas.
Poucos pássaros, poucas nuvens, água nenhuma.
E o sol. E o calor.
Nela plantarei rios, casas, gentes e quintais.
Por ela continuarei a peregrinação, no estio, na aridez.
Nas cheias, no tempo bom.
Na estrada onde fui. Onde sou.
Onde um dia plantei.
De onde um dia parti.
Onde hoje começo nova semeadura.

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Se esse rumo assim foi feito, sem apuro e sem destino
Saio fora desse leito, desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto, mudo o Norte dessa estrada
Em meu povo não há santo, não há força, não há forte
Não há morte, não há nada que me faça sofrer tanto

(Sidney Miller - A estrada e o violeiro)